Toblerone não pode mais ser chamado de chocolate suíço nem usar pico icônico no rótulo

Por Hanna Ziady
Fonte:
CNN Brasil

As barras Toblerone, vendidas em mais de 100 países, não podem mais ser chamadas de chocolate suíço, porque o proprietário da marca nos Estados Unidos está transferindo parte da produção para fora da Suíça.

A guloseima em forma de pico feita com mel e nougat de amêndoa também perderá a icônica montanha Matterhorn de sua embalagem depois que a Mondelez (MDLZ), que fabrica Toblerone, decidiu transferir parte da fabricação para a capital eslovaca de Bratislava.

“Por motivos legais, as mudanças que estamos fazendo em nossa fabricação significam que precisamos ajustar nossa embalagem para cumprir a legislação suíça. Removemos nossa reivindicação de suíça da frente do pacote Toblerone e mudamos nossa descrição ‘da Suíça’ para ‘estabelecido em’”, disse um porta-voz da Mondelez à CNN.

De acordo com o Swissness Act da Suíça, aprovado em 2017, os símbolos nacionais e a cruz suíça não são permitidos em produtos que não atendam aos critérios do país.

A lei exige que os produtos alimentícios que alegam ser “fabricados na Suíça” sejam produzidos com 80% de suas matérias-primas provenientes da Suíça, aumentando para 100% de leite e produtos lácteos. O processamento essencial também deve ser feito no país, com exceção de produtos naturais que não podem ser provenientes da Suíça, como o cacau.

A nova embalagem da Mondelez inclui “um novo tipo de letra e logotipo distintos de Toblerone” e a assinatura de Theodor Tobler, acrescentou o porta-voz. Tobler criou a barra de chocolate em 1908 junto com seu primo Emil Baumann, segundo o site Mondelez.

“Berna é uma parte importante da nossa história e continuará a ser no futuro”, disse o porta-voz.

Um site do governo suíço para pequenas empresas cita “vários estudos” mostrando que a “marca suíça” pode representar até 20% do preço de venda de certos produtos e até 50% para itens de luxo, em comparação com produtos similares de outros países.

A legislação “suíça” visa proteger o valor do rótulo suíço, de acordo com o site.

Chico Buarque recorre de decisão a favor de Eduardo Bolsonaro que questiona autoria de ‘Roda Viva’

Músico processou deputado por usar música em publicação nas redes; juíza negou ação dizendo que falta comprovação da autoria

Fonte: F5/Folha

A Justiça do Rio de Janeiro indeferiu, em primeira instância, uma ação de Chico Buarque contra o deputado estadual Eduardo Bolsonaro (PL-SP) pelo uso indevido da música “Roda Viva”.

Em sua decisão, a juíza substituta Monica Ribeiro Teixeira, do 6º Juizado Especial Cível da Comarca da Capital Lagoa, questiona a autoria da canção. “A ausência de documento indispensável à propositura da demanda, qual seja, documento hábil a comprovar os direitos autorais do requerente sobre a canção ‘Roda Viva’, é causa de inépcia e de indeferimento da inicial”, diz ela.

Na sexta (25), os advogados de Chico Buarque recorreram da decisão. “É de se anotar que o fato de que Chico Buarque é compositor e cantor de ‘Roda Viva’, especialmente no fonograma utilizado pelo réu, é fato público e notório. Trata-se de uma das músicas mais marcantes da cultura popular brasileira e da história das canções de protesto”, afirma a defesa do músico.

“A verdade é que não há como não saber que Chico Buarque é o autor de Roda Viva”, completa.

No recurso, os advogados apontam também que o “fato é tão notório que é objeto de questões de vestibular e concursos dos mais diversos âmbitos”. Como exemplo, eles citam uma questão do Enem de 2017, que fala sobre a canção no enunciado.

Destacam ainda que no próprio post de Eduardo Bolsonaro está indicado o nome do músico.

No último dia 5, o deputado usou “Roda Viva”, na voz de Chico, como trilha de uma publicação feita em suas redes sociais em que critica uma suposta censura que apoiadores do seu pai, o presidente Jair Bolsonaro (PL), estariam sofrendo no Brasil.

O cantor e compositor entrou com a ação pedindo a imediata retirada da música da publicação e R$ 48 mil por danos morais. No processo, os advogados João Tancredo e Maria Isabel Tancredo destacam que a trajetória musical de Chico “é marcada por fatos notórios e de importância histórica e cultural para o povo brasileiro, em especial sua posição política de crítica à ditadura civil-militar, sempre em defesa de democracia.”

“Não há dúvidas, portanto, da contrariedade de Chico Buarque à ditadura militar e suas bases, bradadas e defendidas ainda atualmente pelo grupo político do qual o réu [Eduardo Bolsonaro] faz parte. Afinal, sem falar nas diversas manifestações desse grupo político na defesa direta da ditadura militar e de posições que lhe caracterizaram, o próprio réu defendeu publicamente o AI-5 e seu retorno e já ironizou tortura sofrida pela jornalista Míriam Leitão durante a ditadura”, afirmam os advogados na ação.

Eles prosseguem afirmando que o músico tomou conhecimento da publicação com “muita dor, tristeza e indignação”.

Patentes da vacina contra a varíola no Brasil

Por Gabriela Salerno
Fonte: Consultor Jurídico

Em 23 de julho, a Organização Mundial de Saúde declarou estado de emergência em saúde pública de interesse internacional devido ao surto da monkeypox, também conhecida como varíola dos macacos. A doença é causada pelo vírus monkeypox, da família poxviridae, que compreende outras espécies de vírus, dentre eles o variola major, variante mais comum e agressiva associada à varíola (smallpox) em humanos, doença considerada erradicada pela OMS em 1980.

Diante dessa situação, o debate relacionado à vacinação novamente ganhou proporções em nível internacional. Atualmente, há duas vacinas contra a smallpox aprovadas pela FDA (Food and Drug Administration), agência norte-americana que desempenha papel semelhante à Anvisa. Ambas são produzidas à base do vírus vaccinia, também pertencente à família dos poxvírus e muito similar ao vírus da varíola, porém menos agressivo.

A primeira vacina, de nome comercial Acam2000®, é produzida pela empresa Emergent BioSolutions e foi desenvolvida à base de vírus vivo replicante. A Acam2000® já está sendo aplicada em alguns países contra a monkeypox, tais como Estados Unidos, Reino Unido e França, como medida de contenção do surto da doença em determinados grupos da população, ainda que a indicação específica para monkeypox não conste em sua bula. A segunda vacina, denominada MVA-BN (comercialmente disponível como Jynneos®, Imvamune® ou Imvanex®), é produzida pela farmacêutica dinamarquesa Bavarian Nordic com indicação para monkeypox e smallpox, e produz menos efeitos adversos, visto que é obtida a partir de cepas de vírus atenuado. Apesar de apresentar tecnologia aperfeiçoada em termos de segurança se comparada à Acam2000®, atualmente a vacina dinamarquesa não é produzida em larga escala e, portanto, a Bavarian Nordic é incapaz de suprir a demanda internacional com a rápida deflagração da doença.

Tendo em vista a necessidade de soluções inovadoras para a questão sanitária que se impõe internacionalmente, a empresa norte-americana Tonix Pharmaceuticals anunciou, em 1º de junho, que obteve a concessão de uma patente nos Estados Unidos, cujo escopo compreende uma vacina eficaz contra a varíola dos macacos, dentre outras doenças. A patente em questão é válida até 2037, porém a proteção conferida por uma patente é territorial, o que significa dizer que essa patente não tem validade no Brasil, a não ser que venha a ser concedida pelo INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial). De acordo com o banco de dados do Instituto, de fato há um pedido de patente correspondente no Brasil, mas que ainda não foi examinado quanto ao seu mérito.

Só a Tonix poderia explorar comercialmente a vacina que é objeto de patente nos Estado Unidos. Porém, nos países onde não houver patente concedida, outras empresas poderiam produzi-la e comercializá-la. Por exemplo, caso o pedido de patente seja indeferido pelo INPI e havendo aprovação regulatória da Anvisa, outras empresas poderiam, em teoria, comercializar uma vacina idêntica ou muito semelhante no Brasil. No entanto, esse não é um processo simples, uma vez que as tecnologias de produção de imunizantes geralmente são muito complexas e a Tonix sequer tem, até o momento, um produto final disponível no mercado. Além disso, é importante lembrar que produtos farmacêuticos geralmente não possuem apenas uma única patente, mas um grupo de patentes associadas ao produto em si, bem como ao seu processo de obtenção e suas aplicações, o que demanda cautela ao analisar a liberdade de exploração da tecnologia em cada país de interesse. No cenário brasileiro, o Centro de Operação de Emergências (COE) foi ativado com o objetivo de elaborar estratégias para enfrentar a situação epidemiológica no país. De acordo com o Ministério da Saúde, já estão em curso tratativas com as fabricantes para adquirir os imunizantes. A previsão é que 50 mil doses sejam destinadas ao Brasil, de acordo com a solicitação feita à Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).

Todavia, inicialmente não há indicação de que a imunização seja realizada em massa na população, estando limitada a grupos específicos, tais como profissionais de saúde. Contudo, havendo a necessidade do aumento da quantidade do imunizante, outras vias de solução podem ser pensadas. Além da possibilidade de institutos nacionais de referência no assunto desenvolverem suas próprias vacinas, como Butantan e Fiocruz, é possível negociar a importação de novas doses, bem como a transferência de tecnologia para institutos capacitados para sua produção.

No entanto, até o momento não houve nenhum pedido de autorização à Anvisa relacionado às vacinas disponíveis no mercado por parte das farmacêuticas Bavarian Nordic ou Emergent BioSolutions, condição necessária para aplicação da vacina no Brasil. Por outro lado, diante do cenário de urgência, esse fato não deve representar um problema e o registro provisório poderá ser concedido pela agência de forma acelerada em caráter emergencial, conforme foi observado para as vacinas contra Covid-19.

Pirataria de música via NFT vira dor de cabeça para gravadoras

Por Bruno Ignacio
Fonte: Tecnoblog

Mais um dia, e mais problemas com NFTs. Desta vez, uma plataforma musical de tokens não fungíveis chamada HitPiece foi derrubada pela Associação Americana da Indústria de Gravação (RIAA) por criar e vender ativos digitais de músicas e artes de álbuns de artistas internacionais sem qualquer autorização. Rapidamente, o caso chamou a atenção para um crescente problema de pirataria na Web 3.0.

Na semana passada, a RIAA tomou providências contra a plataforma e enviou uma carta de intimação extrajudicial à HitPiece. O órgão americano atua principalmente contra a pirataria no meio musical. Agora, parece que eles terão que manter a atenção redobrada no que diz respeito a projetos em blockchain, metaverso e os infames NFTs.

O site usou os nomes de artistas globais, suas músicas e até mesmo artes de álbuns. À primeira vista, tudo sugeria que os NTFs que estavam sendo vendidos na HitPiece seriam frutos de parcerias legítimas com os músicos. Vários nomes de alto perfil estavam nos tokens, includindo a Taylor Swift, por exemplo. Claro, ela não tinha absolutamente nada a ver com os ativos digitais.

NFTs da Taylor Swift sendo vendidos na HitPiece (Imagem: Reprodução/ TorrentFreak)

Fundadores da HitPiece enfrentam acusações

Na carta enviada pela RIAA, a organização descreveu a HitPiece como um “notório (e agora offline) site de golpes de NFT”. Por mais que a plataforma já tenha sido derrubada, seus fundadores ainda são alvos de acusações por infringir direitos de Propriedade Intelectual de criadores de música.

A RIAA está exigindo que eles forneçam uma lista completa das atividades realizadas no site e sobre todo o financeiro da companhia, com a receita gerada pela venda dos NFTs pirateados.

À medida que os amantes da música e os artistas adotam novas tecnologias como NFTs, sempre há alguém procurando explorar seu entusiasmo e energia. Dado como os fãs foram enganados e defraudados por esses NFTs não autorizados e o enorme risco para fãs e artistas representados pela HitPiece e potenciais imitadores, ficou claro que tínhamos que agir imediata e urgentemente para defender a justiça e a honestidade no mercado.

Mitch Glazier, presidente e CEO da RIAA, em comunicado.

O Diretor Jurídico da associação, Ken Doroshow, acrescentou que a HitPiece deliberadamente levou os fãs a acreditar que estavam “comprando um NFT genuinamente associado a um artista e a seu trabalho quando isso não era o caso”. Ele também afirmou que as medidas tomadas foram necessárias para “garantir uma contabilização justa dos danos que o HitPiece e seus operadores já fizeram e para garantir que este site ou imitadores não simplesmente retomem seus golpes sob outro nome.”

Pirataria com NFTs é problema na indústria musical

No entanto, parece que o drama envolvendo a HitPiece é apenas a ponta do iceberg de um crescente problema envolvendo NFTs e a pirataria na indústria musical. O assunto se tornou uma preocupação geral para o mercado, tanto que novos projetos estão surgindo dedicados exclusivamente a combater tokens que infringem direitos de propriedade intelectual.

Um grande exemplo é a empresa italiana Digital Content Protection (DcP), que trabalha para clientes como Universal Music, Warner Music e Sony Music. A companhia lançou um novo serviço de remoção especificamente direcionado a NTFs e projetos envolvendo a Web 3.0 e metaverso.

Em entrevista ao TorrentFreak, o CEO da DcP, Luca Vespignani, explicou:

Basicamente, rastreamos recursos da Web 3.0, como mercados de NFT, plataformas de realidade virtual e plataformas de jogos em busca de NFTs não autorizados, falsificadores e usuários mal-intencionados

Segundo o executivo, as novas tecnologias estão se desenvolvendo rapidamente e há grandes interesses financeiros em jogo. O novo serviço antipirataria da empresa surgiu justamente pela crescente demanda de se proteger os interesses de direitos autorais e marcas registradas durante esse caótico período de implementação da Web 3.0.

Creative Commons, Direito Autoral e NFTs: o que tem a ver?

Por Pedro Lana e Leonardo Foletto
Fonte: Creative Commons Brasil

Os criadores de conteúdo que utilizam as licenças Creative Commons para publicar e divulgar seus materiais podem ter sido acometidos em 2021 por uma nova dúvida em relação aos seus trabalhos: o que são os tokens não fungíveis (conhecidos pela sigla em inglês NFT – Non-Fungible Tokens)? Eles são compatíveis com as licenças CC? Se eu licenciei minha obra sem restrições ao uso comercial, evitando licenças NC, um terceiro poderia fazer um NFT dela?

Algumas dessas dúvidas já apareceram nos grupos de discussão da comunidade Creative Commons, e chegaram a ser respondidas em um post pela CEO da organização, Catherine Stihler. Foram também objeto de análise específica por Andres Guadamuz, do blog Technollama, um importante nome internacional nos estudos de direito e tecnologia.

Retomando alguns dos pontos que já foram levantados nesses textos e contribuindo com alguns originais, gostaríamos de responder o que podem ser as dúvidas mais comuns que possam surgir da comunidade luso-brasileira do Creative Commons.

Em primeiro, para além de qualquer tecnicidade, o pano de fundo da cultura livre do Creative Commons não parece sugerir uma relação amistosa com a ideia de um novo tipo de escassez artificial gerado pelos tokens não fungíveis. As licenças CC surgem justamente como uma forma de evitar alguns dos problemas resultantes de outro tipo de escassez artificial: os direitos de exclusividade dos direitos autorais, particularmente no ambiente digital. Enquanto os NFTs têm um propósito visivelmente comercial, para estimular transações e a comercialização de bens digitais que podem ser copiados e compartilhados por um clique, o Creative Commons dedica seus esforços justamente para ampliar essas possibilidades de compartilhamento em prol de uma cultura pujante e acessível.

Isso não quer dizer que eles sejam incompatíveis. O tipo mais comum de NFT não impede de forma alguma o compartilhamento de algum bem digital, até por serem coisas completamente distintas. Porém, a ideia por trás de cada um vai sugerir a interpretação a ser dada em casos de dúvida.

Epa, pera lá, como assim o NFT é completamente distinto do bem digital? Ele não é uma forma justamente de tornar esse bem escasso, como se eu transformasse uma imagem no meu computador em uma tela de pintura?

Os NFTs podem existir em diferentes formas. De fato, é possível inscrever o arquivo digital direto na cadeia de blocos, e nesse caso você estaria de fato comprando o bem na transação, mas custando aproximadamente U$14 dólares por kilobyte de informação. Essa despesa ainda vai aumentando exponencialmente, o que faz com que colocar 1MB direto em uma das blockchains custasse centenas de milhares de dólares, e colocar 300MB (o tamanho da obra de Beeple que ficou famosa) custasse milhões. Os NFTs também podem representar contratos que atribuem posse, propriedade ou titularidade de um bem digital, servindo eles mesmos como mecanismos de transferências de direito. Isso só é possível, evitando potenciais nulidades, se ele for programado de maneira a respeitar as formalidades e limites legais para diferentes tipos de transações, caso estas sejam exigíveis.

O mais comum, contudo, por sua simplicidade e menos custo, é que os NFTs sejam essencialmente metadados de um arquivo digital que são gravados (minted) na cadeia de blocos, com apoio de contratos inteligentes e consumindo unidades chamadas gas. Para que eu crie um token não fungível, basta instalar uma implementação do contrato inteligente em meu computador (geralmente pelo padrão ERC-721) e utilizá-lo para inscrever um hash feito a partir de um arquivo digital em uma cadeia de blocos de sua escolha, que provavelmente será a Ethereum.

Os NFTs vendidos são identificados por uma combinação de duas sequências de algarismos alfanuméricos, que correspondem ao número do contrato inteligente e à identificação do token dentro desse contrato. Essas sequências nos permitem encontrar o NFT na blockchain, e, dentro do seu código (que são essencialmente os seus metadados), poderemos encontrar uma outra sequência única feita a partir do arquivo digital. Porém, como as pessoas gostam de ter o arquivo acessível online, não é diretamente essa sequência que representará o NFT. Na verdade, tanto o arquivo digital quanto seus metadados são hospedados em um serviço relativamente seguro e estável, e uma nova sequência é feita a partir dos metadados desse upload. Essa última sequência é o que é colocado à venda como NFT e que servirá como ponte entre linhas de códigos, que pouco sentido fazem para uma pessoa comum, e a imagem da obra que ela supostamente estaria comprando ao adquirir o token.

As sequências mencionadas são resultantes de funções hash, um processo no qual certas informações são transformadas em um número fixo de dígitos alfanuméricos único para elas, com chances extremamente baixas de surgirem dois iguais. O algoritmo mais comum é o SHA-256, que produz um hash de 256-bits. Qualquer mudança mínima de informação no dado original faz com que o resultado da função hash seja um valor diferente. Se eu mudar um hash que faz parte de um arquivo que será novamente passado por uma nova função hash, as sequências subsequentes também serão alteradas em cadeia.

A não-fungibilidade do nome do token na verdade se refere ao token em si – algo como um certificado ou recibo que faz referência ao bem – e não ao próprio bem digital. Em termos técnicos, o “dono” não será exatamente um proprietário, mas terá controle sobre o token (o “certificado” do arquivo), não sobre o arquivo digital. A comparação que se tem feito do NFT a um tipo de propriedade similar ao dos imóveis, nos quais isso é observado por meio de um documento (a matrícula), deve ser vista com estranhamento, porque no caso do bem imóvel é justamente a existência de uma lei específica que confere o direito de propriedade ao ter seu nome registrado – algo que não se repete para os tokens.

Os direitos autorais não se aplicariam aos metadados transformados em uma sequência de algarismos por faltar a eles uma originalidade mínima. As licenças Creative Commons, construídas em cima das regras de direito autoral, acabam consequentemente guardando pouca relação direta com os NFTs.

Porém, se alguém referenciar (inclusive por meio de um link) obra de terceiro licenciada por CC afirmando ser sua, os direitos morais são uma ferramenta de defesa efetiva. A exceção seria obras licenciadas sob CC0 em algumas jurisdições que permitam a abdicação dos direitos morais, ou a colocação de uma criação voluntariamente em domínio público. O direito de atribuição, resguardado mesmo nas licenças cultura livre, veda a falsa atribuição de autoria sobre uma obra, ainda que a obra não tenha sido copiada ou comunicada ao público.

Não parecem existir vedações para que alguém cria um NFT a partir de uma obra de terceiro licenciada sob CC que permita o uso comercial. Mesmo no caso de uma licença CC-NC, não existiria uma vedação de direito autoral pelo terceiro se ele tomasse o cuidado de não fornecer um link para uma cópia de sua imagem. Afinal, estaria apenas negociando os metadados referentes a ela. Outros tipos de direitos poderiam ser trazidos para a discussão, como o crime de fraude, mas isso ultrapassa as fronteiras jusautorais, e vai um pouco além do que pretendemos abordar nesse texto.

De qualquer forma, não ser ilegal não quer dizer que não seria imoral, nem que não iria contra os princípios por trás da cultura livre e do Creative Commons. O exemplo colocado acima indica justamente como há muito para ser trabalhado pelos formuladores de leis e políticas públicas em relação não só aos NFTs, mas às cadeias de blocos de forma geral. Noções que não se enquadram no direito autoral vigente podem exigir adaptações da lei ou das maneiras de interpretá-la, como já ocorreu antes com a popularização da Internet e dos bens digitais no desenvolvimento da sociedade informacional.

Uma tecnologia primariamente voltada para facilitar a comercialização e investimento em obras de arte digital acaba tendo efeitos práticos e jurídicos que ultrapassam a sua finalidade inicial. A sua lógica de funcionamento pode ser pouco compatível com outras lógicas do ecossistema de criação cultural, razão pela qual precisamos nos manter atentos para não deixar que apenas interesses econômicos guiem as alterações de políticas públicas.

Grupo queima obra de Picasso e faz NFT: ‘Vivo para sempre no blockchain’

Por Gabriel Rubinsteinn
Fonte: Exame

Filme mostra destruição da obra e restos serão entregues para comprador do token; em outra iniciativa, banco suíço vai vender cotas de propriedade de quadro com NFTs

Fumeur V, obra de Pablo Picasso que foi transformada em NFT e depois destruída (Unique.One / Burned Picasso/Divulgação)

Um coletivo de artistas dos Estados Unidos, que no mês passado anunciou a criação do projeto “Burned Picasso” (“Picasso Queimado”), divulgou na quinta-feira, 15, a tokenização e destruição do original de uma obra do artista espanhol Pablo Picasso – “O Picasso Queimado vive para sempre no blockchain”, diz a página do projeto.

A pintura transformada em um token não-fungível (NFT) em blockchain e depois queimada – sim, com fogo – foi “Fumeur V”, de 1964, adquirida pelo coletivo em um leilão da Christie’s, em abril, por 105 mil reais. A destruição foi filmada e divulgada nas redes sociais (assista abaixo).

“Que ‘queimar’ está relacionado à ‘censura’ ao longo da história, não pode ser negado. Mas ‘queimar’ e ‘censura’ estão meramente correlacionados aqui. Queimar não é necessariamente censurar. Pedimos que você deixe de lado essa relação como uma ambigüidade semântica para entender um tipo diferente de fenômeno que ocorre no espaço do blockchain, onde queimar pode significar mais do que destruição – pode significar destruição criativa”, diz texto do coletivo na plataforma Unique.One, onde o NFT será vendido, que explica as motivações do projeto. “A arte das relações humanas é um encontro de mentes. O Metaverso vai um passo além dos aplicativos – as experiências sociais são reais”.

A ideia do coletivo era leiloar um único NFT da obra, mas como após a queima o desenho ainda permanece visível, com a assinatura de Picasso praticamente intacta e uma forma de coração criada pelo calor, eles decidiram fazer dois NFTs – um antes e outros depois da queima – e entregar ao comprador também os restos queimados emoldurados. O leilão, em andamento pelos próximos 15 dias, tem lance inicial de cerca de 500 dólares.

“A extensa obra de Picasso foi além de influente. O ‘Picasso Queimado’ está preservando uma única peça, tornando-a imutável no blockchain para sempre”, completa o texto do coletivo.

Banco suíço vai vender cotas de quadro do artista com NFTs

Não é só “Burned Picasso” que está levando obras de Pablo Picasso ao blockchain. O banco suíço Sygnum, focado em ativos digitais, anunciou parceria com a empresa de investimento em arte Artemundi para tokenizar um quadro do artista e negociar frações da propriedade da obra em blockchain com as criptomoedas.

“Fillette au Béret” está avaliada em 3,68 milhões de dólares (18,75 milhões de reais) e cada NFT – que representa uma cota – será vendido a 6 mil dólares, equivalente a 30.500 reais.

A pintura do artista espanhol também é datada de 1964 e foi vendida pela última vez em 2016, por 2,48 milhões de dólares. Ela ficará sob custódia das empresas, em uma instalação de alta segurança ou emprestada a museus.

“Isso marca a primeira vez que os direitos de propriedade de um Picasso, ou de qualquer obra de arte, estão sendo transmitidos em blockchain público por um banco regulamentado”, disse Javier Lumbreras, da Artemundi. “Objetos artísticos e culturais de apelo universal, antes reservados para um grupo de elite de colecionadores ou museus, agora podem ser de propriedade direta e segura, sem o peso das altas barreiras de entrada. O mercado de arte é absurdamente obscuro e ineficiente, mas essas características logo serão relíquias do passado”, acrescentou.

Os tokens não-fungíveis que representarão a obra de Picasso só poderão ser adquiridos por investidores sofisticados ou institucionais, clientes do Sygnum Bank. Depois, os NFTs poderão ser negociados em um mercado secundário da SygnEx, plataforma do banco para negociação de ativos digitais.

As negociações serão liquidadas em francos suíços (CHF) usando a stablecoin nativa do Sygnum, a DCHF, lastreada na moeda do país. A propriedade fracionada da pintura será reconhecida pela lei suíça.

Por acordo com farmacêuticas, Brasil resiste a quebrar patentes de vacinas

Por Jamil Chade
Fonte: UOL Notícias

Por acordos com as principais empresas farmacêuticas e amarrado em contratos, o governo brasileiro resiste em aderir à proposta de suspensão de patentes de vacinas contra a covid-19, apoiada por mais de 60 países pelo mundo.

A aposta do governo é de que, sem embarcar numa retórica de ameaças de quebra de propriedade intelectual, haveria um espaço maior para garantir a entrega de vacinas fabricadas pelas multinacionais ao país.

Em outubro do ano passado, indianos e sul-africanos apresentaram uma proposta na OMC (Organização Mundial do Comércio) para que as patentes de vacinas e todas as demais tecnologias envolvidas na luta contra a pandemia fossem suspensas. Isso permitiria que qualquer laboratório do mundo fabricasse versões genéricas dos produtos, garantindo um maior acesso às vacinas e tratamentos.

Mas o Brasil passou a ser um dos raros países em desenvolvimento a rejeitar a proposta. A pressão sobre o governo de Jair Bolsonaro aumentou depois que EUA e China também deram seu apoio ao projeto dos indianos, ainda que limitando a ideia da suspensão de patentes apenas para vacinas. O Itamaraty, porém, manteve sua postura de rejeição ao projeto.

Na semana passada, o novo chanceler Carlos França, também citou a situação com as multinacionais ao explicar a postura do governo sobre patentes em uma audiência na Câmara dos Deputados convocada pelo ex-ministro da Saúde e deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP).

Segundo ele, a proposta da Índia e África do Sul era “agressiva” e chamou o gesto de “quebra radical” de patentes que iria “muito além” dos acordos de propriedade intelectual.

De acordo com ele, a proposta “criava problema de segurança jurídica na formulação de contratos que temos de assistência técnica com a AstraZeneca e a aquisição que queremos ter de vacinas da Pfizer, Janssen e Moderna”.
Fortemente pressionado e diante de metas não cumpridas de vacinação, o governo de Bolsonaro apenas nos últimos meses passou a ampliar sua busca por vacinas. Atores do mercado internacional, porém, alertam que o Brasil desembarcou num momento “errado”, “com meses de atraso” e, portanto, com um poder de barganha reduzido.

As empresas farmacêuticas estariam mais fortalecidas para negociar neste momento, diante de elevados pedidos e uma verdadeira fila de governos que disputam a compra de doses.

Se não bastasse, algumas das empresas estão sendo ameaçadas por processos em tribunais por não conseguir atender aos cronogramas de vendas já realizadas, o que tem colocado uma pressão ainda maior no abastecimento global.

Ao mesmo tempo, o Ministério da Saúde informou nesta semana que reduziu para 41,9 milhões a a previsão de doses de vacinas a serem recebidas em junho. O volume é 12 milhões inferior ao que estava sendo esperado, diante de um atraso na produção pela Fundação Oswaldo Cruz. O governo também indicou que espera antecipar a chegada de outras vacinas, programas apenas para o final de 2021.

Contratos protegem patentes

Nos últimos meses, a realidade é que os contratos que empresas farmacêuticas a submeteram a diferentes governos pelo mundo revelam condições estritas e uma garantia de proteção de patentes.

Num deles, assinado pela Pfizer e pelo governo do Peru em setembro de 2020, fica estabelecido “condições prévias” a qualquer abastecimento, incluindo a proteção total de patentes, o estabelecimento de que a empresa é a “única” dona da propriedade intelectual e que ela fica isenta de qualquer obrigação de atender a uma indenização eventual decidida pela Justiça. Toda a cadeia de desenho, pesquisa, desenvolvimento e fabricação ficam protegidas de qualquer queixa que poderá existir.

Caberia ainda ao Ministério da Saúde do país andino provar, antes do início das entregas, que o país conta com “fundos adequados para se comprometer com as obrigações de indenização e outorgar proteção adequada aos provedores por reclamações surgidas do ou em conexão à vacina e seu uso”.

No caso brasileiro, o acordo inicial da AstraZeneca com o governo também revela que a empresa estrangeira impôs condições sobre a venda da vacina contra a covid-19, manteve a patente sobre o produto e poderá até mesmo definir o que considera como a data do final da pandemia.

Assinado em 31 de julho de 2020, o acordo já deixava claro que mesmo se a vacina não desse resultados, não haveria um reembolso.

O texto ainda explicita que a empresa multinacional fica com o direito de estabelecer o fim do período da pandemia. A relevância de tal postura reflete no preço. Segundo as multinacionais, um fornecimento de doses a um preço de custo só poderia ocorrer enquanto a pandemia durar. Depois disso, os valores terão de ser renegociados.

O entendimento previa que toda a propriedade intelectual da vacina permanecesse nas mãos da AstraZeneca. Em trecho do tratado inicial, fica estabelecido de forma clara que a produção realizada pela Fiocruz poderia atender apenas o mercado doméstico brasileiro, sem a possibilidade de uma eventual exportação dos produtos num primeiro momento. Só quando a pandemia terminar é que “as partes avaliarão a possibilidade da extensão do território”. Ou seja, uma exportação da Fiocruz.

Nova proposta

Apesar da escassez, o governo brasileiro continua a defender na OMS, OMC e mesmo no G-20 que apenas um acordo voluntário de transferência de tecnologia entre empresas e governos pode superar a crise de abastecimento.

A postura vai na mesma direção defendida pelo setor privado que, em debates internacionais, insiste que vêm realizando dezenas de acordos de transferência de tecnologia e sustenta a tese de que a quebra de patentes, sozinha, não garantirá um aumento da produção mundial.

Mas mesmo sem a participação do Brasil, os países emergentes continuam a apostar que a suspensão de patentes pode ser uma resposta à escassez crônica de vacinas. Na semana passada, 62 governos apresentaram à OMC uma nova proposta. Além dos co-patrocinadores, mais 40 países apoiam a ideia.

Pelo novo projeto, a suspensão de direitos de propriedade intelectual seria válida por pelo menos três anos, tempo considerado como suficiente para permitir que laboratórios em todo o mundo ampliem suas produções e fabriquem versões genéricas das vacinas e outros produtos.

Hoje, 90% de todas as 1,2 bilhão de doses administradas ocorreram nos países do G-20, enquanto os 40 países mais pobres receberam apenas 0,3% das vacinas.

Mas o projeto pode não ser suficiente para romper o impasse que acontece na OMC nas negociações sobre patentes. O governo americano deu seu apoio à ideia. Mas deixou claro que apenas aceitaria a iniciativa pra a suspensão de patentes de vacinas, não incluindo outros tratamentos e nem tecnologias para diagnósticos.

Já a UE alertou uma vez mais na sexta-feira, durante a cúpula do G-20, que não quer uma mudança nas leis de patentes e que aposta num caminho de cooperação entre empresas e países.

A diretora-geral da OMC, Ngozi Iweala, espera fechar um acordo até julho. Mas na esperança de romper a pressão que países ricos vêm sofrendo por conta das patentes, governos e empresas anunciaram doações ou vendas de 3,5 bilhões de doses para os países mais pobres até o final de 2022. Ainda que o número seja importante, ele é inferior ao que americanos e europeus compraram apenas para o ano de 2021.

Licença compulsória não é quebra de patentes

Fonte: SEGS

Roberta Minuzzo, advogada especialista em Propriedade Intelectual, explica tendência do governo americano de suspender patentes de vacinas durante a pandemia de Covid-19

A imprensa norte-americana vem noticiando que o governo do presidente Joe Biden tem sido pressionado a suspender as patentes das vacinas enquanto durar a pandemia de Covid-19. A Representante de Comércio dos EUA, Katherine Tai, disse que “esta é uma crise de saúde global e as circunstâncias extraordinárias da pandemia de Covid-19 e exige medidas extraordinárias”.

Por outro lado, quando um país decide mudar a legislação sobre os registros de patentes, os reflexos jurídicos acabam não agradando aos inventores que dedicaram tempo de pesquisas, estudos e investimento financeiro para patentear as suas inovações.

A advogada especialista em Propriedade Intelectual também comentou o recente movimento do governo americano de ser favorável à suspensão das proteções conferidas às patentes das vacinas contra a Covid-19, pois, dessa forma, poderia aumentar a disponibilidade de fornecimento dos imunizantes em todo o mundo. “Esse é o caso das licenças compulsórias, quando ocorre a suspensão temporária dos direitos de patentes, à revelia do inventor, o qual deixa de obter a exclusividade de exploração da sua inovação tecnológica, ficando, então, obrigado a licenciar o objeto patenteado ou em processo de patente. Esse instituto legal nada mais é do que o Estado tirando o poder de exclusiva das mãos do titular da patente, em benefício de alguém, sob preço ‘mínimo’”, explica Dr. Roberta Minuzzo, advogada especialista em Propriedade Intelectual e sócia fundadora da DMK, empresa especializada no registro de marcas e patentes.

Ela cita um exemplo ocorrido no Brasil, quando foi concedida licença compulsória, em face da patente do medicamento Efavirenz, usado em pacientes com AIDS. “Diferentemente da proposta para as patentes da Covid-19, a licença compulsória do Efavirenz se deu porque o preço do medicamento vendido para o Brasil era mais de 100% maior, comparando com o valor de venda na Tailândia. Nos Estados Unidos também já ocorreram casos de licenças compulsórias de patentes. Uma delas se deu quando o governo americano produziu e utilizou Tetraciclina e Meprobamato, para fins militares, sem autorização das empresas detentoras de patentes”, relata a advogada.

Os tratados e acordos internacionais, nos quais o Brasil e os Estados Unidos são signatários e membros, permitem a licença compulsória de patentes. No Brasil, a Lei da Propriedade Industrial nº 9.279/96 prevê esse dispositivo, no artigo 71, em casos de emergência nacional ou interesse público, podendo ser aplicável ao momento atual da pandemia de Covid-19.

Quebra de patente de vacinas: entenda o que isso significa na prática

Recurso em debate desde outubro de 2020 ganhou novo fôlego nesta semana, quando o governo dos EUA declarou apoio à licença compulsória de imunizantes contra a Covid-19

Por Camila Mazzotto, com supervisão de Larissa Lopes
Fonte: Revista Galileu

No final de 2020, Índia e África do Sul, ao lado de mais de 110 países em desenvolvimento, sugeriram à Organização Mundial do Comércio (OMC) que as patentes relacionadas a medicamentos e vacinas contra a Covid-19 fossem “quebradas” durante a pandemia. Ainda sem desfecho, o apelo ganhou novo fôlego na última quarta-feira (5), quando o governo dos Estados Unidos, tradicionalmente contrário à flexibilização das regras de propriedade intelectual, declarou apoio à licença compulsória de imunizantes anti-Covid – decisão considerada histórica por especialistas.

Em debate desde outubro do ano passado pela OMC, órgão internacional responsável por questões de propriedade intelectual e industrial, a medida propõe que países desenvolvidos façam a transferência da tecnologia empregada em vacinas contra o novo coronavírus, de forma a possibilitar que nações menos desenvolvidas também produzam os imunizantes a nível local. Isso porque, atualmente, estima-se que cerca de 90% das doses disponíveis no mundo foram aplicadas em habitantes de países ricos ou de renda média.

Por isso, defensores do recurso afirmam que se trata de um caminho para reduzir a desigualdade na corrida pela imunização em meio à pandemia. “Se uma suspensão temporária das patentes não pode ser implementada agora, durante este momento sem precedentes, quando será o momento certo?”, alega o diretor da Organização Mundial de Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, em publicação nas redes sociais.

Previsto no tratado internacional de propriedade intelectual – o TRIPs, na sigla em inglês –, o chamado “licenciamento compulsório temporário de patentes” pode ser acionado em situações de emergência ou de interesse público – como é o caso de uma pandemia. Nesse caso, o mecanismo visa suspender as concessões que dão a farmacêuticas, como a Pfizer e a Moderna, o direito ao monopólio da produção de suas vacinas – a tal das patentes – por um determinado intervalo de tempo, até que a maioria da população mundial esteja imunizada.

Assim, durante esse período, não haveria punição para países que fabricassem os imunizantes sem autorização dos titulares das patentes, numa tentativa de acelerar a produção de doses contra a Covid-19 mundo afora. Mas, segundo especialistas, a aplicação prática desse mecanismo pode ser mais desafiadora do que parece.

Isso porque a fabricação de cada vacina requer tecnologias e recursos específicos, nem sempre disponíveis em países mais pobres, como explica à GALILEU Gonzalo Vecina Neto, professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP). “A imensa maioria dos países do mundo não teria condições de produzir vacinas contra a Covid-19″, considera o docente do Departamento de Política, Gestão e Saúde da instituição.

Vecina, que também é ex-diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), lembra que a tradição de produzir imunobiológicos não é comum entre países menos desenvolvidos. Além disso, os candidatos a fabricar “cópias” de imunizantes também teriam que assegurar a qualidade do processo de produção. Não à toa: se as cópias apresentassem alguma falha, a imagem dessas empresas seria significativamente prejudicada.

Na América Latina, apenas três países têm bases farmacêuticas que possivelmente seriam capazes de seguir com o procedimento, segundo o médico sanitarista: Argentina, Colômbia e Brasil. Por aqui, o especialista argumenta que laboratórios estatais como a Fiocruz e o Instituto Butantan dariam conta de produzir “até mesmo vacinas que usam a tecnologia avançada do RNA mensageiro (mRNA)” – mas não necessariamente a curto prazo. “Se não houver nenhuma exigência muito específica do processo produtivo, as fábricas [da Fiocruz e do Butantan] já estão prontas. Agora, se tiver alguma exigência, talvez ela possa ser atendida com a construção de uma estrutura especifica para esse objetivo”, avalia.

Produção nacional

Uma das fábricas às quais o professor da FSP-USP se refere é a planta industrial Bio-Manguinhos, que pertence à Fiocruz. No último dia 30 de abril, após uma série de inspeções ao local, a Anvisa autorizou a fundação a produzir ali o Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) da vacina de Oxford/AstraZeneca. Até agora, a fabricação das doses dependia da importação do insumo, como também acontece com a CoronaVac – imunizante desenvolvido pelo Instituto Butantan em parceria com o laboratório chinês Sinovac.

Com a reforma da Bio-Manguinhos, a Fiocruz estima que a partir de outubro começará a entregar vacinas produzidas inteiramente em território nacional – o que também deve acontecer no Instituto Butantan. A instituição paulista pretende produzir doses sem depender de importação de matéria-prima ainda em dezembro deste ano, quando estima finalizar a obra de uma fábrica que permitirá a fabricação nacional de lotes.

Para Vecina, essas duas plantas industriais teriam potencial de receber transferências de tecnologia através do licenciamento compulsório em debate pela OMC – mas não só elas. “Nós temos mais fábricas e laboratórios farmecêuticos que, se quisessem, teriam condições de produzir vacinas contra a Covid-19 no país, como a Libbs, Cristália, EMS e Aché”, argumenta.

Especialistas, no entanto, divergem quanto à análise de que a capacidade industrial do Brasil seria suficiente para produzir imunizantes inovadores como os desenvolvidos pelas farmacêuticas Pfizer e Moderna. Isso porque, ao contrário da CoronaVac – a primeira a ser produzida no país –, que é feita com um vírus atenuado ou inativado, por exemplo, vacinas gênicas usam uma tecnologia considerada mais avançada, a do RNA mensageiro.

Posicionamento brasileiro

No Brasil, um projeto de lei de licença compulsória temporária de patentes de vacinas, testes de diagnóstico e medicamentos para o enfrentamento da Covid-19 foi aprovado no Senado no último dia 29 de abril, mas ainda precisa passar pela Câmara dos Deputados e pelo presidente da República. Até agora, o governo brasileiro foi um dos poucos entre nações emergentes que se posicionaram contra a proposta que está sendo discutida na OMC – o que foi visto como uma mudança brusca em sua tradicional postura favorável à flexibilização de patentes.

Um exemplo disso é que, em 2007, o país esteve à frente de um ato que revolucionou o mercado de tratamento contra a aids a nível nacional. A partir da Lei de Propriedade Industrial 9.279/96, o Brasil declarou o licenciamento compulsório do efavirenz, um remédio utilizado no tratamento contra o vírus HIV cuja patente pertencia à farmacêutica Merck Sharp & Dohme.

Na época, o que levou o governo a recorrer ao mecanismo foi o alto valor cobrado pelo laboratório norte-americano: se um comprimido custava US$ 1,59 ao país, a unidade da cápsula saía por US$ 0,65 à Tailândia. Por isso, o Brasil decidiu que passaria a comprar o genérico produzido pela Índia, que custava US$ 0,44, o que reduziu significativamente os gastos do Sistema Único de Saúde (SUS) com a compra do medicamento, garantindo à população brasileira um tratamento mais acessível contra o HIV. Após a importação de tecnologia, ainda, a droga passou a ser produzida pela Fiocruz, em 2007.

À deriva de um consenso

Se a ideia de licença compulsória de imunizantes contra Covid-19 será tirada do papel mundo afora ou não, resta à OMC decidir. E, como todos os 162 países-membros precisam chegar a uma resposta em comum, o processo ainda pode demorar – como alerta a representante de comércio da Casa Branca, Katherine Tai. “Essas negociações vão levar tempo, considerando que a organização funciona por consenso e as questões são complexas”, diz, em comunicado oficial, a advogada, depois de afirmar que a gestão do presidente Joe Biden irá participar “ativamente” dessas discussões. Segundo Vecina, ainda, o órgão teria que criar um documento com normas específicas para regular o procedimento em meio à pandemia. “A OMC terá que criar um conjunto de regras para que empresas e países candidatos a copiarem uma vacina se apresentem, e terá que negociar com os detentores da patente sobre como aconteceria o processo de transferência de tecnologia”, explica o sanitarista. “Não tem muita coisa fácil pela frente, não”, diz.

Covid-19: Senado aprova projeto para agilizar quebra temporária de patentes de vacinas

Texto diz que ‘licença compulsória temporária’ poderá ser concedida se titular da patente não atender às necessidades de emergência nacional. Câmara ainda vai analisar projeto.

Por Gustavo Garcia
Fonte: G1

O Senado aprovou nesta quinta-feira (29), por 55 votos a 19, um projeto que tem o objetivo de agilizar a quebra temporária de patentes de vacinas contra a Covid.

A proposta, de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), segue para a análise da Câmara dos Deputados. O projeto altera uma lei de 1996 que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. A versão aprovada foi sugerida pelo senador Nelsinho Trad (PSD-MS), relator do texto.

O projeto também visa a dar maior celeridade à quebra temporária da patente do medicamento Remdesivir, um dos únicos remédios aprovados pela Anvisa para utilização no tratamento da doença provocada pelo coronavírus.

Pelo texto, a chamada licença compulsória temporária poderá ser concedida, de ofício (sem a provocação de alguém), quando o titular da patente “não atender às necessidades de emergência nacional ou de interesse público” ou de estado de calamidade pública nacional.

As licenças compulsórias temporárias só poderão, de acordo com o projeto, ser concedidas para instituições públicas, empresas privadas, ou organizações da sociedade civil “com efetivo interesse e capacidade econômica para realizar a exploração” dos produtos.

Segundo o texto aprovado, o Poder Executivo terá 30 dias para publicar a lista de patentes cujas licenças compulsórias atendam às suas necessidades.

Instituições de ensino e pesquisa e entidades da sociedade civil deverão ser consultadas no processo de elaboração da lista de patentes que poderão ser quebradas temporariamente.

O texto também prevê negociação entre os laboratórios e o governo para evitar essa licença compulsória. Segundo o projeto, mesmo as patentes sob risco de quebra poderão ser retiradas da lista caso os titulares se comprometam a atender às necessidades identificadas pelo Executivo.

O projeto dá prazo de 30 dias para o governo implementar as novas regras, contados a partir da sanção pelo presidente Jair Bolsonaro. A lista de patentes a ser elaborada pelo Executivo deverá conter as seguintes informações:

  • número individualizado das patentes que poderão ser quebradas;
  • identificação dos respectivos titulares;
  • especificação dos objetivos para os quais será autorizada cada quebra de patente.

O titular da patente será obrigado a transmitir informações necessárias para a efetiva reprodução do objeto protegido pela patente e os demais aspectos técnicos, assim como os resultados de testes e outros dados necessários à concessão de seu registro pelas autoridades competentes.

Caso o titular da patente se negue a prestar as informações necessárias à reprodução do produto, como os desenhos industriais, poderá ser aberto processo de anulação do registro.

O texto prevê ainda que, por razões humanitárias, produtos que tiverem a patente quebrada poderão ser exportados para países em situação de emergência sanitária agravada pela carência de tais produtos.

Remuneração

Conforme a proposta aprovada, o titular da patente receberá uma remuneração pela concessão da licença compulsória. Para esse pagamento, serão considerados:

  • o valor econômico da licença concedida;
  • a duração da quebra da patente;
  • estimativas de investimentos necessários para sua exploração;
  • custos de produção;
  • venda no mercado nacional do produto a ela associado.

O pagamento deverá ser efetivado apenas depois da concessão da patente.

Defensores da proposta afirmam que a suspensão temporária das patentes permitirá a ampliação da produção de vacinas, o barateamento de custos e a contenção da pandemia. Eles também destacam a escassez de doses e ressaltam que há uma capacidade de produção de imunizantes no país que está ociosa.

Quebra de patentes no mundo

A suspensão temporária das patentes de imunizantes e insumos utilizados no enfrentamento da pandemia da Covid-19 tem sido defendida por países como Índia e África do Sul.

O Brasil – que historicamente se posicionou favoravelmente à quebra de patentes de medicamentos, como os utilizados no tratamento da Aids – não tem apoiado a ideia.

Debate

O projeto original do senador Paulo Paim previa que, enquanto vigorasse a emergência de saúde pública relacionada ao coronavírus, o Brasil não precisaria cumprir algumas obrigações previstas no Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (Trips, em inglês).

O relator do texto, senador Nelsinho Trad, entretanto, avaliou que tal medida, por estar relacionada a um tratado internacional, não poderia ser implementada por um projeto de lei ordinário.

Mesmo com as mudanças feitas por Trad, o governo orientou contra a aprovação do projeto. Para o vice-líder do governo, Carlos Viana (PSD-MG), o caminho “fácil” da quebra temporária de patentes pode levar à “destruição”.

“Quebrar patentes vai colocar o Brasil na mesma situação que nós vivemos nos anos 80, em que a América Latina, o Brasil, eram países tidos como não cumpridores de acordos, moratórias. E isso prejudicou e muito a nossa história e o nosso desenvolvimento, o enriquecimento do nosso povo”, disse Viana.

“O caminho para a vitória, para a prosperidade não passa por uma questão que parece simples como essa, não. Patentes são acordos internacionais de que o Brasil é signatário. Nós podemos quebrar, mas a transferência dessa intelectualidade, a transferência não vai ser feita; pelo contrário, o Brasil vai entrar na lista daqueles que não cumprem seus acordos”, acrescentou o governista.