Pensar sobre uma criação, sobretudo no desenho industrial, é pensar os seus valores estéticos e os seus valores funcionais, inclusive porque a atividade do desenhista industrial é uma atividade essencialmente criativa, não se aplicando, a este, ofícios, regras ou fórmulas, matematicamente fechadas. Cada criação é una, fruto de um trabalho intelectual, não necessariamente derivado de uma mera técnica, mas da sensibilidade do criador.
Um produto é uma unidade entre forma e conteúdo: o conteúdo se refere aos aspectos “internos” do objeto, isto é, aos elementos e relacionamentos que caracterizam sua natureza; a forma é o “externo”, ou seja, a estrutura visível, resultante de elementos como cor, superfície, proporções, texturas etc..
Forma e conteúdo são indivisíveis e dependem dos seus processos de produção e utilização:
- No processo de produção há distintos fatores a se considerar, como custos, tecnologia de fabricação, materiais etc.;
- No processo de utilização há outros fatores, como o funcionamento do produto, sua adaptação ao usuário, manutenabilidade, conservação e limpeza etc..
Na maioria dos casos, a forma é ditada por razões práticas e em máquinas e equipamentos os requisitos funcionais (ou o fator “função”) deverão estar em primeiro plano. Em produtos de recreação e produtos de uso pessoal, por exemplo, os requisitos de função nem sempre são considerados como prioritários.
Ademais do entendimento acerca das classes e categorias dos produtos, os aspectos mais essenciais das relações do usuário com os produtos (sobretudo os produtos industriais), as quais se tornam perceptíveis durante o processo de uso e possibilitam a satisfação das necessidades, são as chamadas funções, qual sejam: a função prática; a função estética; e a função simbólica.
- Função prática é toda a relação entre um produto e um usuário que se baseia nos efeitos diretos orgânico-corporais, isto é, fisiológicos;
- Função estética é a relação entre um produto e um usuário experimentada no processo de percepção sensorial durante o uso, sob o aspecto psicológico;
- Função simbólica é a que se dá quando a espiritualidade do homem se excita com a percepção deste, ao estabelecer relações com componentes de experiências anteriores e sensações determinadas por aspectos psíquicos e sociais de uso.
Nesse sentido, produtos, ainda que concebidos para atendimento de funções práticas, acabam por atingir – em determinados consumidores – uma função meramente simbólica. Afinal de contas, quando um produto deixa de ser desenho industrial e se transforma em obra artística?… e quando uma obra deixa de ser de arte pura e passa a ser de arte aplicada?
Na esfera do direito autoral, o enquadramento das obras passíveis de proteção é bastante claro, sendo resguardadas todas as criações do intelecto humano, independentemente do mérito da obra, necessitando-se tão só a originalidade.
Contudo, há discussões em torno do caráter artístico da obra, para sua efetiva proteção, tal qual se discute a diferenciação entre a arte pura e a arte aplicada.
De fato, muitos estudiosos buscam diferenciar a obra protegida pelo direito autoral daquelas eminentemente geradas por características técnicas, de modo que, no caso concreto, apenas as consideradas de valor artístico seriam objeto de proteção, o que parece ser uma visão lógica, contudo ainda não consensual, afinal, como se define esse tal “valor artístico”.
Assim, a obra de desenho industrial, quer consubstanciada por seus esboços, croquis, desenhos estruturais etc., quer por sua realização definitiva, com o objeto acabado, para ter direto de proteção autoral, devem apresentar um caráter de obra original e pessoal, independentemente de seu valor estético, especialmente por ser esse um valor discutível.
Por outro lado, na esfera da propriedade industrial, especialmente no que tange ao registro de desenho industrial, esse enquadramento das obras passíveis de proteção se torna mais meticuloso, e de resposta não tão imediata, não obstante a chamada obra de design resguardar uma fronteira de proteção muitas vezes não existente, podendo, inclusive ser acolhida por ambas matérias – o direito autoral e a propriedade industrial – com a chamada proteção dual.
Esse caso pode ser exemplificado pelas chamadas peças únicas, em que a arte pura e a arte aplicada se cruzam, sobretudo quando, além do apelo estético e artístico, a obra possuir um caráter eminentemente funcional.
Assim, sob a ótica da generalidade conceitual, a configuração da peça única abarca a esfera do direito autoral e a industrialização (reprodução) recairia na propriedade industrial, sendo o primeiro caso também passível de proteção dual. Há de se ressaltar, contudo, que o caso concreto define a situação.
Contudo, de uma maneira geral, deve ser observada, sempre, a finalidade dada à criação. Assim sendo, se um designer, por exemplo, projeta uma estampa a ser usada num único tapete, é bastante diferente de usá-la como capa de um caderno, produzido aos milhares.
No primeiro caso, a estampa aparece como uma obra única, absolutamente passível de ser protegida como uma obra de arte. No caso do caderno, este aparece como um produto industrial e com proteção muito mais próxima do registro de desenho industrial.
Aew João ! Salvou minha vida… Muito bom este artigo. Parabéns.
Para proteger um objeto que assuma características de arte pura e arte aplicada se faz necessário aplicar tanto o direito autoral quanto o direito industrial. O direito autoral visa proteger o espírito artístico que o objeto representa, ou seja, protege a expressão artística e individual de seu criador através de um objeto. Ora, como o objeto em questão também possui um caráter funcional (passível de reprodução industrial) caracterizada pela arte aplicada, também teríamos que protegê-lo com base no direito industrial.
No caso em tela seria aplicada a proteção dual ou dupla com a combinação da Lei 9.279/96, que regula a proteção dos desenhos industriais e a Lei 9.610/98, que regula a proteção ao direito autoral. É importante salientar que existem discussões quanto à cumulatividade das duas leis sobre o mesmo objeto por não haver previsão legal expressa. Por outro lado, não existe qualquer lei que proíba tal cumulação. A Lei 9.279/96 resguardaria a produção em escala industrial do objeto e a Lei 9.610/98 reguardaria o valor artístico, no sentido de imprimir um apelo estético ao objeto. No caso do registro do desenho industrial, três requisitos precisam ser satisfeitos: a novidade, a originalidade e o desempedimento. No caso do direito autoral, apenas a novidade é suficiente para resguardar a obra. O mais importante para definir a aplicação dos dois dispositivos legais seria a identificação da finalidade do objeto. Se for o caso de uma peça única a ser produzida, apenas o direito autoral deveria ser utilizado. Caso a peça fosse produzida em escala industrial, como se supõe o caso, a aplicação da proteção ao desenho industrial deveria também ser adotada.
A proteção dual, aplicando as leis 9.279/96 que versa a proteção dos desenhos industriais e a 9.610/98 que versa sobre a proteção do direito autoral, aplicadas em combo visam proteger o bem de forma demasiada, pois, ao reproduzir esse objeto em escala industrial, caberia apenas uma das proteções, logo, seria interessante para o direito que houvesse uma inovação por parte da doutrina neste viés, direcionando o operador do direito e evitando que haja abuso na aplicação das normas neste sentido.